sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um momento saudosista...

Tenho procurado na caixa de minhas lembranças o coração que tive quando criança, mas que perdi com o passar dos dias.
Que saudade de quando ouvia as vozes e não duvidava, sempre de bom grado atendia e não via má fé em ninguém. Hoje, chamo isso de ingenuidade e ingenuidade é uma das melhores coisas que já tive em maior escala.
Mas que saudade me dá agora de minha ingenuidade. De quando o mundo parecia mais simples e menos marketeiro, especulador, mais colorido e menos devastado pelo monóxido de carbono e menos preocupado com tempestades solares.
Saudade de “O Fantástico mundo de Bob”, do seu triciclo pelos corredores... Saudade da pipoca com manteiga da terra quentinha na calçada da igreja. Saudade de meus amigos correndo na praça sem preocupação com as aparências, com que os outros estavam pensando, fazendo (eu só descobri que eram meus amigos, muito mais tarde).
Sinto saudade de quando não me preocupava e de quando o dia passava mais devagar. Saudade do meu perfume de criança... Ainda guardo o cheirinho até hoje. Me deu uma saudade do meu uniforme da escola que eu detestava usar...
Saudade de minha amiga, bem velhinha, a Dona Ana. Saudade de quando ela me olhava e dizia que eu tava crescendo. Até hoje não sei como ela assistia duas novelas em canais diferentes e ao mesmo tempo. Saudade do cheiro da sala dela e um remorso de não ter dado o último adeus.
Sinto saudade do pé de cajá. Eu brinquei tanto de recriar uma vida com as frutinhas que arrancava antes de estarem maduras: as cajazinhas eram pessoas, com nomes e histórias.
Saudades de quando olhava pra mamãe e não via sinais de que o tempo ta passando. Saudade de ler os cordéis que a mãe Chica guardava e só deixava eu ler se ela estivesse perto (hoje nem sei onde eles foram parar). Saudade do café com leite dela. Nunca mais tomei um igual.
Saudades de olhar pro céu à noite e notar a mudança na posição das estrelas, de ver os aviões passando e começar a pensar qual seriam os diálogos que se travavam lá dentro.
Saudade da saudade que sentia dos meus irmãos. Quase morri de saudade quando Margarida foi viver a vida dela em outra cidade. Saudade de quando eu não me via diferente dos outros. Saudade da sensação de aprender a andar de bicicleta pegando a bicicleta do meu irmão e quase ser atropelado por um vizinho. Saudade de meus desenhos e de sonhar voando... Saudade de quando li O Pequeno Príncipe, da raposa...
Saudade dos dias que se foram. Mas se fosse possível que estes voltassem, eu não queria vivê-los todos em sua totalidade!
Eu quero o novo, o amanhã. As novas emoções, os novos conceitos, definições, novos sorrisos, olhares, energias. Só quero de volta aquela inocência boa, de nunca esperar as más ações. Mas ela não volta mais...
Então amanhã, terei saudades do que sou hoje. Terei saudade desse saudosismo que bateu em minha mente, em meus olhos, trazendo emoções vividas e revivendo cenas, fragrâncias, brisas.


*
Uma noite que adentrei nas memórias um tanto distantes.

Um comentário:

  1. É sério!
    Esse me fez chorar!
    É uma definição muito boa de muitos de nós, jovens quase velhos de saudades !
    Muito bom, meu amigo, muito bom.
    Um abraço.

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